Prevalência da doença celíaca em candidatos a doadores de sangue em São Paulo - Brasil
Instituição: Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina
2.1 Resumo
Objetivo: Determinar a prevalência da doença celíaca em candidatos a doadores de sangue com o emprego do anticorpo antitransglutaminase e confirmação com a biópsia de intestino delgado. Método: estudo transversal em que participaram 3000 candidatos a doadores de sangue residentes na cidade de São Paulo, 1500 do sexo masculino e 1500 do sexo feminino, com idade média igual a 34,4 anos (DP=10,8 anos). Foram incluídos neste estudo os candidatos a doadores de sangue que seriam excluídos da doação de sangue por apresentarem anemia. Todos os participantes responderam a um questionário a respeito da presença de diarréia, constipação e dor abdominal, nos últimos três meses. A dosagem do anticorpo antitransglutaminase tissular IgA foi realizada em todos os indivíduos, e aqueles com anticorpo superior a 10 U/mL (teste positivo) foram convidados a realizar biópsia de intestino delgado por endoscopia digestiva alta, considerando-se diagnóstico sugestivo de doença celíaca naqueles com anticorpo positivo e biópsia de intestino delgado com presença de atrofia vilositária.
Resultados: O anticorpo foi positivo em 1,5% (45/3000) dos indivíduos, e 21 (46,6%) destes concordaram em realizar a biópsia do intestino delgado, demonstrando-se padrão histológico com atrofia vilositária em 66,7% (14/21) destes. O diagnóstico de doença celíaca foi sugestivo em pelo menos 1 em cada 214 candidatos a doadores de sangue investigados. Observou-se associação estatisticamente significante entre DC e as manifestações clínicas: diarréia, constipação e dor abdominal.
Conclusão: a prevalência de DC na cidade de São Paulo é elevada, à semelhança dos países da Europa e, possivelmente, este diagnóstico tem sido subestimado no Brasil.
Palavra-chave: Doença celíaca/epidemiologia, testes sorológicos, prevalência, antitransglutaminase/imunologia, bancos de sangue, sintomas clínicos.
2.3 Introdução
A utilização cada vez mais freqüente dos marcadores sorológicos como auxilio no diagnóstico da doença celíaca (DC), inicialmente com os anticorpos antigliadina, e mais recentemente com os anticorpos antiendomísio e antitransglutaminase, tem demonstrado que a DC se manifesta por diversas formas de apresentação1, e que é mais freqüente do que anteriormente se acreditava2. Entretanto, ainda não se conhece a real prevalência desta doença que continua sendo subestimada.
Estudo multicêntrico italiano observou que a prevalência de DC foi de 1 para cada 184 indivíduos estudados3 desafiando pesquisadores na busca ativa dos portadores desta doença tanto em grupos de risco para esta enfermidade, quanto na população geral.
Os doadores de sangue têm-se constituído na casuística para estudos de estimativa da prevalência da DC na população geral como, por exemplo, nos EUA, onde apesar do diagnóstico se sustentar apenas no rastreamento sorológico, com anticorpo antigliadina e posterior confirmação com anticorpo endomísio, observou-se sugestão diagnóstica de DC em 1:250 indivíduos4. Países Europeus - Holanda5, Noruega6 e Itália7 - também analisando doadores de sangue com emprego dos anticorpos antigliadina e antiendomísio, encontraram prevalência entre 1:299 e 1:500 quando o diagnóstico de DC foi estabelecido pela presença de atrofia da mucosa do intestino delgado. No Oriente, estudos em Israel8 - utilizando anticorpos antigliadina, antiendomísio e antitransglutaminase, e confirmação baseada nos critérios de Marsh, sem detalhamento do tipo de alteração considerada - e no Irã9 - utilizando anticorpo antigliadina e antiendomísio, e confirmação baseada nos critérios de Marsh modificado tipo I até IIIa - encontraram prevalência de DC, respectivamente, de 1:157 e 1:666 em doadores de sangue. Ainda nesta mesma região geográfica, na Turquia, empregando-se o anticorpo antitransglutaminase observou-se prevalência sorológica igual a 1,3:10010.
No Brasil, dois estudos realizados, um em Brasília11 e outro em Ribeirão Preto12, avaliando a prevalência da DC em doadores de sangue demonstraram que esta enfermidade não deve ser considerada rara em nosso país. O trabalho realizado em Brasília, localizada em região central do Brasil, utilizando anticorpos antigliadina e posteriormente antiendomísio, confirmou diagnóstico de DC - atrofia vilositária total da mucosa duodenal - em 1 para cada 681 doadores de sangue estudados11. O outro estudo realizado em Ribeirão Preto, cidade do interior do Estado de São Paulo - região sudeste do país -, observou, com o emprego inicial do anticorpo antitransglutaminase e depois do antiendomísio, incidência igual a 1:273, considerando as alterações histológicas segundo Marsh de tipo I até tipo IV, e incidência igual a 1:600, considerando apenas morfologia com presença de atrofia da mucosa intestinal (Marsh tipo III e IV).
O anticorpo antitransglutaminase tissular corresponde ao mais recente auto-antígeno identificado nos pacientes com DC13. A determinação deste anticorpo pelo método de ELISA apresenta elevada sensibilidade (95-98%) e especificidade (94-95%)14. No entanto, até o momento, o anticorpo antitransglutaminase tissular recombinante humana IgA não substitui a biópsia de intestino delgado que continua sendo o padrão ouro para o diagnóstico de DC15, 16.
Considerando as diferenças étnicas da população brasileira e a possibilidade da incidência da DC não ser a mesma nas diferentes regiões do país, realizamos este estudo na cidade de São Paulo, uma cidade cosmopolita característica, onde residem pessoas de diferentes ascendências, com o objetivo de determinar a prevalência da DC em candidatos a doadores de sangue com o emprego do anticorpo antitransglutaminase e, em caso positivo com confirmação pela biópsia de intestino delgado.
2.4 Casuística e Métodos
Foi realizado um estudo transversal em que participaram 3000 candidatos a doadores de sangue residentes na cidade de São Paulo, no período de setembro de 2003 a julho de 2004. As amostras de sangue dos participantes foram obtidas em três postos de coleta, sendo dois da Associação Beneficente de Coleta de Sangue (Colsan)/UNIFESP: postos de coleta no Hospital do Servidor Público Municipal e Hospital Ipiranga - Secretaria de Estado da Saúde, e um Hemocentro Regional da Universidade Federal de São Paulo - EPM/ Hospital São Paulo. A coleta de sangue realizou-se continuamente de segunda-feira a sábado nos dois postos da Colsan, e quintas e sextas-feiras no Hemocentro, até que fossem coletadas 1500 amostras de sangue de indivíduos do sexo masculino e 1500 amostras de sangue do sexo feminino. Esse número de indivíduos foi calculado a partir da prevalência estimada de DC de 0,16% - baseada no estudo de prevalência de DC em doadores de sangue de Brasília11 , poder de teste de 80%, com nível de significância de 5%17.
Com relação aos critérios de inclusão, foram incluídos consecutivamente neste estudo todos os indivíduos aptos à doação, segundo os seguintes critérios estabelecidos pelos postos de coleta de sangue: apresentar boa saúde, idade entre 18 e 65 anos e peso acima de 50 Kg. Foram também incluídos neste estudo os candidatos a doadores de sangue que seriam excluídos da doação por apresentarem anemia - hematócrito menor do que 36% para o sexo feminino e menor do que 38% para o sexo masculino, segundo os postos de coleta de sangue. A exclusão destes indivíduos poderia reduzir a prevalência da DC na amostra de doadores de sangue quando comparada à população geral, uma vez que a anemia constitui uma das manifestações clínicas da DC. Dentre os 3000 candidatos a doadores de sangue foram incluídos neste estudo nove pessoas anêmicas, oito do sexo feminino e um do sexo masculino.
Foram excluídos deste estudo todos os candidatos a doadores de sangue que apresentavam os critérios de exclusão estabelecidos pelos postos de coleta de sangue, com exceção da presença de anemia. Foram então excluídos: os indivíduos que fizeram tatuagem ou receberam transfusão de sangue nos últimos doze meses, aqueles com comportamento sexual de risco para AIDS - múltiplos parceiros sexuais, prática de sexo em troca de dinheiro ou drogas, sexo com parceiro ocasional desconhecido, homossexual ou parceiros de portadores do vírus da AIDS -, indivíduos que têm contato sexual com portadores comprovados do vírus da Hepatite B, C ou HTLV I ou II, usuários de drogas injetáveis ou cocaína inalatória, aqueles com histórico de câncer, diabetes, epilepsia, hepatite após dez anos de idade, sífilis, doença de Chagas ou malária.
Coletaram-se, então, 1516 amostras de sangue no posto de coleta do Hospital Ipiranga - Secretaria de Estado da Saúde, 1174 no posto de coleta do Hospital do Servidor Público Municipal, e 310 no Hemocentro Regional da Universidade Federal de São Paulo - EPM/ Hospital São Paulo, num total de 3000 amostras. A média de idade dos candidatos a doadores de sangue foi igual a 34,4 anos (DP=10,8 anos), variando de 18 a 65 anos; 1500 (50%) eram do sexo masculino, e todos de nacionalidade brasileira.
A rotina dos postos de coleta de sangue consiste em cadastrar os dados de identificação pessoal do doador, realizar o exame de hematócrito capilar (obtido por meio de punção digital) e uma triagem clínica (entrevista). No momento em que se realizava a entrevista pelo médico responsável pelo atendimento no posto de coleta de sangue, os indivíduos eram convidados a participar deste estudo. Após consentimento verbal e escrito, todos os participantes deste trabalho responderam a um questionário, formulado para este estudo, que incluía data de nascimento, sexo, nacionalidade, peso, estatura, e presença dos seguintes sintomas clínicos nos últimos três meses: diarréia, constipação e dor abdominal. Foi também avaliada pelo entrevistador a etnia do candidato (branca, negra, parda e amarela)18. Posteriormente, os indivíduos seguiram a rotina do posto de coleta de sangue que consiste em coletar juntamente com a doação de sangue alíquotas para dosagens sorológicas. O volume de sangue necessário para a dosagem do marcador sorológico para DC estava incluído nestas alíquotas para dosagens sorológicas, não havendo, portanto, necessidade de coletar maior quantidade.
A seguir, os postos de coleta encaminharam uma alíquota de 8 mL de soro, dos indivíduos considerados aptos à doação de sangue, para o Laboratório Clínico da Disciplina de Gastroenterologia Pediátrica da UNIFESP-EPM onde foi armazenado em freezer a -30ºC e processada a dosagem do anticorpo antitransglutaminase.
Os candidatos a doadores de sangue considerados anêmicos pelos postos de coleta, foram convidados a participar deste estudo e, após consentimento verbal e por escrito, coletou-se uma amostra de 10 mL de sangue venoso que foi encaminhada ao Laboratório Clínico da Disciplina de Gastroenterologia Pediátrica da UNIFESP-EPM para dosagem do anticorpo antitransglutaminase.
A dosagem do anticorpo antitransglutaminase tissular da classe IgA (The Binding Site Ltd., Birminghan, England) foi realizada pelo método de ELISA14, 19, conforme as especificações do fabricante e os resultados obtidos com base na densidade óptica por intermédio da leitura de placa de ELISA a 450 nm.
As amostras foram processadas em monoplicata exceto quando houve mudança de lote, estabelecendo-se nesta situação a realização de dosagens em duplicata em uma placa (96 testes), para verificar a reprodutibilidade do teste. Como houve apenas uma mudança de lote, procedeu-se a dosagem em duplicata em uma oportunidade, sendo o resultado expresso pela média das leituras, e após a confirmação da reprodutibilidade do lote prosseguiu-se as dosagens em monoplicata.
De acordo com as normas do fabricante, o anticorpo antitransglutaminase tissular humana IgA foi considerado negativo quando abaixo de 4 U/mL, fracamente positivo entre 4 U/mL e 10 U/mL e positivo quando superior a 10 U/mL.
Os candidatos a doadores de sangue que apresentaram anticorpo antitransglutaminase tissular humana IgA superior a 10 U/mL, foram convidados a realizar biópsia de intestino delgado por endoscopia digestiva alta no Centro de Endoscopia Digestiva e Respiratória da UNIFESP-EPM (CEDIR). Coletaram-se pelo menos quatro fragmentos da região mais distal do duodeno que foram fixados em formol a 10% e encaminhados para o serviço de Anatomia Patológica da UNIFESP, onde as amostras foram processadas segundo metodologia convencional utilizando a coloração hematoxilina-eosina. Os espécimes foram avaliados por uma médica patologista experiente que desconhecia os dados clínicos e laboratoriais dos candidatos a doadores de sangue.
A biópsia de intestino delgado foi considerada padrão ouro para o diagnóstico de DC, utilizando-se o critério de Marsh (20) modificado por Rostami et al.21 para análise dos fragmentos: tipo 0 - fragmento sem alterações histológicas e, portanto, considerado normal; tipo I - padrão infiltrativo, em que a arquitetura da mucosa apresenta-se normal com aumento do infiltrado dos linfócitos intra-epiteliais (LIE). Estabeleceu-se arbitrariamente neste estudo que o número de LIE estaria aumentado quando houvesse mais do que 25 LIE para cada 100 enterócitos 22,23; tipo II - lesão hiperplásica, caracterizada por alargamento das criptas e aumento do número de LIE; tipo III - padrão destrutivo, onde há presença de atrofia vilositária, hiperplasia críptica e aumento do número de LIE.
Rostami et al.21 modificaram o critério de Marsh III introduzindo uma classificação de acordo com a intensidade da atrofia vilositária: tipo IIIa - atrofia vilositária leve; tipo IIIb - atrofia vilositária subtotal; tipo IIIc - atrofia vilositária total. Marsh também estabeleceu o tipo IV como sendo uma lesão hipoplásica caracterizada por atrofia total com hipoplasia críptica considerada forma possivelmente irreversível.
O diagnóstico sugestivo de DC foi considerado nos indivíduos com anticorpo antitransglutaminase tissular recombinante humana IgA superior a 10 U/mL e com biópsia de intestino delgado com presença de atrofia vilositária - padrão Tipo IIIa, IIIb ou IIIc - que tradicionalmente caracteriza a alteração histológica da DC16.
O estado nutricional foi classificado de acordo com o índice de massa corporal, segundo a Organização Mundial da Saúde, em: baixo peso - inferior a 18,5; estado nutricional adequado - de 18,5 a 24,9; sobrepeso - maior ou igual a 25,0; subdividindo-se em pré-obeso - de 25,0 a 29,9; obeso classe I - de 30,0 a 34,9; obeso classe II - de 35,0 a 39,9 e obeso classe III - maior ou igual a 40,024.
O consentimento esclarecido foi obtido por escrito dos participantes do estudo. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina.
Para a análise estatística, foram utilizados testes estatísticos paramétricos e não paramétricos, dependendo da distribuição das variáveis estudadas. Foram calculadas as médias e desvios padrão da idade dos candidatos a doadores de sangue e do número de linfócitos intraepiteliais. Foi calculado o Teste do qui-quadrado para sexo, cor e estado nutricional dos candidatos, e realizado Teste de Fisher e a odds ratio e seus intervalos de confiança de 95% para as manifestações clínicas. A comparação das medianas (percentis 25-75) dos valores de hematócrito dos candidatos a doadores de sangue com suspeita de DC com aqueles sem DC foi realizado pelo Teste de Mann-Whitney. Os testes foram realizados com o emprego dos programas SigmaStat (25) e Epi Info 200226. O nível de significância de rejeição da hipótese de nulidade foi fixado em 0,05 (5%).
2.5. Resultado
O anticorpo antitransglutaminase foi positivo (>10 U/mL) em 1,5% (45/3000) dos candidatos a doadores de sangue, fracamente positivo (entre 4 e 10 U/mL) em 3,1% (94/3000) e negativo em 95,4% (2861/3000).
Dos 45 candidatos a doadores de sangue que apresentaram anticorpo antitransglutaminase positivo, 46,7% (21/45) concordaram em realizar a biópsia do intestino delgado. A Tabela 1 apresenta os aspectos clínicos, laboratoriais e anátomo-patológicos dos 21 candidatos a doadores de sangue que apresentaram anticorpo positivo e realizaram biópsia de intestino delgado: 66,7% (14/21) apresentaram biópsia intestinal com atrofia vilositária (Marsh tipo III), 14,3% (3/21) biópsia Marsh tipo I e 19,0% (4/21) biópsia normal. 57,1% (8/14) daqueles com biópsia com atrofia vilositária (Marsh tipo III) eram do sexo feminino. A média do número dos LIE para cada 100 enterócitos dos candidatos a doadores de sangue com atrofia vilositária (Marsh tipo III) foi de 44,4 (DP=21,2), mediana (percentis 25 - 75) igual a 37,0 (33,0 - 47,0), variando entre 23 a 100. Portanto, o diagnóstico de DC foi sugestivo em 14 dos 3000, ou melhor, 1 em cada 214 candidatos a doadores de sangue da cidade de São Paulo.
Quanto aos 24 (53,3%; 24/45) candidatos a doadores de sangue com anticorpo positivo que não realizaram biópsia de intestino delgado 11 não foram localizados por telefone ou endereço e 13 não concordaram com a realização deste procedimento, 16,7% (4/24) apresentavam-se sintomáticos e 66,7% (16/24) eram do sexo feminino (Tabela 2). Embora estes 24 indivíduos apresentassem anticorpo positivo, a não realização da biópsia de intestino delgado impediu a confirmação diagnóstica de DC. Por esta razão, estes 24 candidatos a doadores de sangue (24/3000; 0,8%) foram excluídos das análises comparativas entre o grupo com diagnóstico sugestivo de DC (14/3000; 0,5%) e sem diagnóstico de DC (2962/3000; 98,7%).
Quanto aos 94 candidatos a doadores de sangue que apresentaram anticorpo antitransglutaminase fracamente positivo, 59,6% (56/94) eram do sexo masculino, e apresentavam os seguintes aspectos clínicos: 96,8% (91/94) eram assintomáticos, 1,1% (1/94) apresentava constipação e dor abdominal, e 2,1% (2/94) dor abdominal. Em relação ao estado nutricional, nenhum dos candidatos a doadores de sangue apresentou baixo peso, 38,3% (36/94) apresentavam estado nutricional adequado, 61,7% (58/94) sobrepeso: 42,5% (40/94) eram pré-obeso, 16,0% (15/94) obeso classe I e 3,2% (3/94) obeso classe II.
Com relação ao sexo, não houve diferença estatisticamente significante da proporção de DC entre os indivíduos do sexo feminino (0,54%; 8/1484) e masculino (0,40%; 6/1492), Tabela 3.
Quanto à cor, não se observou diferença estatisticamente significante da proporção de DC entre aqueles de cor branca (0,44%;11/2484) e de cor não branca (0,61%; 3/492), Tabela 4. Com respeito aos 3 candidatos a doadores de sangue de cor não branca com DC, 2 eram de cor parda (candidatos nº 1 e nº 15 da Tabela 1) e 1 de cor negra (candidato nº 10 da Tabela 1).
A Tabela 5 apresenta a proporção de DC em candidatos a doadores de sangue segundo o estado nutricional.
Com relação às manifestações clínicas de acordo com as informações obtidas no questionário, observou-se a seguinte associação estatisticamente significante com DC: 1. diarréia; 2. constipação; 3. dor abdominal (Tabela 6).
Não houve diferença estatisticamente significante entre a mediana (percentis 25-75) do hematócrito dos candidatos a doadores de sangue com diagnóstico sugestivo de DC (43,5; 42,0 - 46,0) e daqueles sem diagnóstico de DC (45,0; 42,0- 48,0), p= 0,471.
Tabela 1. Aspectos clínicos, laboratoriais e anátomo-patológicos dos candidatos a doadores de sangue que apresentaram anticorpo antitransglutaminase tissular humana IgA positivo e que realizaram biópsia de intestino delgado
N.º
|
Sexo
|
Sintomas
|
Estatura
|
Peso
|
IMC
|
HT
|
Estado
|
Biópsia de intestino Delgado
|
tTG
|
|
|
|
Metros
|
Kg
|
|
%
|
Nutricional
|
LIE
|
Marsh modificado
|
U/mL
|
1
|
Feminino
|
Diarréia alternada com constipação
|
1,70
|
96
|
33,2
|
42
|
Obeso classe I
|
30/100
|
III b
|
10,5
|
|
|
dor abdominal
|
|
|
|
|
|
|
|
|
2
|
Masculino
|
Dor abdominal
|
1,78
|
89
|
28,1
|
47
|
Pré-obeso
|
23/100
|
III b
|
13,8
|
3
|
Feminino
|
Diarréia e dor abdominal
|
1,75
|
69
|
22,5
|
40
|
Adequado
|
40/100
|
III b
|
12,2
|
4
|
Feminino
|
Assintomatico
|
1,62
|
53
|
20,2
|
43
|
Adequado
|
40/100
|
I
|
11,0
|
5
|
Masculino
|
Diarréia e dor abdominal
|
1,73
|
80
|
26,7
|
43
|
Pré-obeso
|
35/100
|
III b
|
17,0
|
6
|
Masculino
|
Assintomatico
|
1,70
|
86
|
29,8
|
50
|
Pré-obeso
|
64/100
|
III b
|
31,1
|
7
|
Masculino
|
Assintomatico
|
1,65
|
76
|
27,9
|
45
|
Pré-obeso
|
25/100
|
III c
|
10,1
|
8
|
Feminino
|
Assintomatico
|
1,60
|
73
|
28,5
|
46
|
Pré-obeso
|
40/100
|
I
|
15,8
|
9
|
Masculino
|
Assintomatico
|
1,73
|
110
|
36,8
|
50
|
Obeso classe II
|
42/100
|
III a
|
>100,0
|
10
|
Masculino
|
Diarréia
|
1,82
|
81
|
24,5
|
43
|
Adequado
|
74/100
|
III c
|
>100,0
|
11
|
Feminino
|
Constipação e dor abdominal
|
1,60
|
59
|
23,0
|
46
|
Adequado
|
33/100
|
III b
|
11,3
|
12
|
Feminino
|
Constipação e dor abdominal
|
1,65
|
85
|
31,2
|
43
|
Obeso classe I
|
34/100
|
III b
|
>100,0
|
13
|
Feminino
|
Constipação e dor abdominal
|
1,64
|
59
|
21,9
|
44
|
Adequado
|
47/100
|
III c
|
38,6
|
14
|
Feminino
|
Assintomatico
|
1,75
|
85
|
27,8
|
46
|
Pré-obeso
|
38/100
|
III b
|
32,3
|
15
|
Feminino
|
Constipação e dor abdominal
|
1,71
|
55
|
18,8
|
40
|
Adequado
|
36/100
|
III b
|
20,9
|
16
|
Feminino
|
Assintomatico
|
1,54
|
50
|
21,0
|
40
|
Adequado
|
84/100
|
III c
|
>100,0
|
17
|
Feminino
|
Assintomatico
|
1,67
|
56
|
20,1
|
40
|
Adequado
|
10/100
|
0
|
61,2
|
18
|
Feminino
|
Assintomatico
|
1,72
|
80
|
27,0
|
39
|
Pré-obeso
|
22/100
|
0
|
17,2
|
19
|
Feminino
|
Assintomatico
|
1,75
|
70
|
22,9
|
45
|
Adequado
|
23/100
|
0
|
11,1
|
20
|
Feminino
|
Assintomatico
|
1,68
|
60
|
21,3
|
44
|
Adequado
|
34/100
|
I
|
23,7
|
21
|
Feminino
|
Diarréia e dor abdominal
|
1,60
|
95
|
37,1
|
42
|
Obeso classe II
|
10/100
|
0
|
14,5
|
IMC = Índice de massa corpórea; Ht = Hematócrito; LIE = Linfócitos intraepiteliais; tTG = Anticorpo antitransglutaminase tissular humana IgA
Tabela 2. Aspectos clínicos e laboratoriais dos candidatos a doadores de sangue que apresentaram anticorpo antitransglutaminase tissular humana IgA positivo e que não realizaram biópsia de intestino delgado
N.º
|
Sexo
|
Sintomas
|
Estatura
|
Peso
|
IMC
|
HT
|
Estado
|
tTG
|
|
|
|
Metros
|
Kg
|
|
%
|
Nutricional
|
U/mL
|
22
|
Feminino
|
Assintomatico
|
1,50
|
70
|
31,1
|
43
|
Obeso classe I
|
12,3
|
23
|
Feminino
|
Assintomatico
|
1,77
|
93
|
29,7
|
45
|
Pré-obeso
|
12,1
|
24
|
Feminino
|
Constipação e dor abdominal
|
1,70
|
75
|
26,0
|
40
|
Pré-obeso
|
10,7
|
25
|
Feminino
|
Assintomatico
|
1,64
|
82
|
30,5
|
42
|
Obeso classe I
|
12,5
|
26
|
Feminino
|
Assintomatico
|
1,76
|
83
|
26,8
|
45
|
Pré-obeso
|
37,8
|
27
|
Feminino
|
Assintomatico
|
1,66
|
51
|
18,5
|
43
|
Adequado
|
11,4
|
28
|
Feminino
|
Constipação e dor abdominal
|
1,60
|
80
|
31,3
|
43
|
Obeso classe I
|
16
|
29
|
Feminino
|
Constipação e dor abdominal
|
1,58
|
52
|
20,8
|
47
|
Adequado
|
15,6
|
30
|
Feminino
|
Assintomatico
|
1,65
|
63
|
23,1
|
42
|
Adequado
|
17,5
|
31
|
Feminino
|
Assintomatico
|
1,64
|
84
|
31,2
|
47
|
Obeso classe I
|
16,5
|
32
|
Feminino
|
Assintomatico
|
1,83
|
77
|
23,0
|
45
|
Adequado
|
25,4
|
33
|
Feminino
|
Assintomatico
|
1,67
|
83
|
29,8
|
38
|
Pré-obeso
|
10,2
|
34
|
Feminino
|
Assintomatico
|
1,69
|
90
|
31,5
|
43
|
Obeso classe I
|
19,9
|
35
|
Feminino
|
Assintomatico
|
1,69
|
65
|
22,8
|
42
|
Adequado
|
10,1
|
36
|
Feminino
|
Constipação e dor abdominal
|
1,70
|
62
|
21,5
|
41
|
Adequado
|
10,6
|
37
|
Feminino
|
Assintomatico
|
1,56
|
70
|
28,8
|
58
|
Pré-obeso
|
32,2
|
38
|
Masculino
|
Assintomatico
|
1,63
|
66
|
24,8
|
47
|
Adequado
|
23,1
|
39
|
Masculino
|
Assintomatico
|
1,69
|
59
|
20,7
|
52
|
Adequado
|
40,4
|
40
|
Masculino
|
Assintomatico
|
1,66
|
70
|
25,4
|
49
|
Pré-obeso
|
21,1
|
41
|
Masculino
|
Assintomatico
|
1,70
|
82
|
28,4
|
44
|
Pré-obeso
|
14,1
|
42
|
Masculino
|
Diarreia e dor abdominal
|
1,62
|
60
|
22,9
|
44
|
Adequado
|
10,5
|
43
|
Masculino
|
Assintomatico
|
1,69
|
84
|
29,4
|
49
|
Pré-obeso
|
12,2
|
44
|
Masculino
|
Assintomatico
|
1,77
|
68
|
21,7
|
48
|
Adequado
|
>100
|
45
|
Masculino
|
Assintomatico
|
1,60
|
62
|
24,2
|
45
|
Adequado
|
13,1
|
IMC = Índice de massa corpórea; Ht = Hematócrito; tTG = Anticorpo antitransglutaminase tissular humana IgA
Tabela 3. Proporção de doença celíaca em candidatos a doadores de sangue segundo o sexo
Sexo
|
Doença celíaca
|
Total
|
Proporção de doença celíaca
|
Sim
|
Não
|
Masculino
|
6
|
1486
|
1492
|
0,40%
|
Feminino
|
8
|
1476
|
1484
|
0,54%
|
Total
|
14
|
2962
|
2976
|
|
Teste do qui-quadrado= 0,077; p= 0,781
Tabela 4. Proporção de doença celíaca em candidatos a doadores de sangue segundo a cor
Cor
|
Doença celíaca
|
Total
|
Proporção de doença celíaca
|
Sim
|
Não
|
Branca
|
11
|
2473
|
2484
|
0,44%
|
Não branca
|
3
|
489
|
492
|
0,61%
|
Total
|
14
|
2962
|
2976
|
|
Teste do qui-quadrado= 0,018; p= 0,894.
Tabela 5. Proporção de doença celíaca em candidatos a doadores de sangue segundo o estado nutricional
Estado Nutricional
|
Doença celíaca
|
Total
|
Proporção de doença celíaca
|
Sim
|
Não
|
Baixo peso
|
0
|
23
|
23
|
0,00%
|
Peso adequado
|
6
|
1499
|
1516
|
0,40%
|
Pré-obeso
|
5
|
1053
|
1066
|
0,47%
|
Obeso classe I
|
2
|
312
|
319
|
0,64%
|
Obeso classe II
|
1
|
55
|
56
|
1,79%
|
Obeso classe III
|
0
|
20
|
20
|
0,00%
|
Total
|
14
|
2962
|
2976
|
|
Tabela 6. Distribuição das manifestações clínicas dos candidatos a doadores de sangue com e sem doença celíaca
Manifestações clínicas
|
Doença celíaca
|
p*
|
Odds ratio (intervalo de confiança 95%)
|
Sim (n=14)
|
Não (n=2962)
|
Diarréia
|
4 (11,43%)
|
31 (0,01%)
|
< 0,001
|
37,82 (9,40 - 141,25)
|
Constipação
|
5 (5,68%)
|
83 (0,03%)
|
< 0,001
|
19,27 (5,49 - 64,62)
|
Dor abdominal
|
6 (15,79%)
|
32 (0,01%)
|
< 0,001
|
68,67 (19,75 - 235,00)
|
* Teste exato de Fisher
2.6. Discussão
Há consenso da importância de se investigar DC em grupos de risco como, por exemplo: familiares de pacientes com DC; indivíduos com anemia ferropriva resistente à ferroterapia oral; crianças, adolescentes e adultos jovens com redução da densidade mineral óssea; atraso puberal ou baixa estatura sem causa aparente; portadores de doenças auto-imunes, síndrome de Down e infertilidade. Estudo recentemente concluído na cidade de São Paulo abordando o grupo de risco de familiares de primeiro grau de pacientes com DC encontrou prevalência expressiva (6%) demonstrando que esta doença pode ser tão prevalente na cidade de São Paulo, Brasil, quanto em países Europeus27.
O interesse de determinar a prevalência da DC, desta vez não em um determinado grupo de risco, mas numa amostra representativa da população geral da cidade de São Paulo, estimulou a realização deste estudo para pesquisar a DC em doadores de sangue. Como a anemia constitui um dos sinais clínicos da DC, este estudo incluiu não somente os indivíduos que preenchiam os critérios necessários para doação de sangue, como também aqueles que se propuseram ao ato de doar sangue, mas que foram excluídos desta condição por apresentarem anemia - por esta razão denominada candidatos à doação de sangue - com a finalidade de aproximar ainda mais a casuística do presente estudo com a população geral, que eventualmente pode apresentar-se anêmica. Não identificamos na literatura trabalhos pesquisando DC em doadores de sangue que incluíram na amostra indivíduos anêmicos, o que poderia subestimar o diagnóstico desta doença na população geral.
A escolha do marcador sorológico é de extrema importância no sentido de reduzir ao máximo o número de diagnósticos falso positivos e negativos, especialmente quando a amostra estudada é originária da população geral, e portanto dita saudável. Optou-se, então, pelo emprego do anticorpo antitransglutaminase IgA, considerado de alta sensibilidade e especificidade, para o rastreamento sorológico da DC.
O diagnóstico sugestivo de DC foi estabelecido quando o candidato a doador de sangue apresentava anticorpo positivo (>10 U/ml) e biópsia de intestino delgado compatível com DC. Deve-se mencionar que os candidatos a doadores de sangue com anticorpo fracamente positivo (entre 4 e 10 U/mL) não foram convidados a realizar a biópsia de intestino delgado em conseqüência da experiência adquirida com o estudo de prevalência de DC em familiares de primeiro grau27, que utilizou o mesmo anticorpo do presente estudo, onde todos os parentes com anticorpo antitransglutaminase nos níveis referidos realizaram biópsia de intestino delgado que se mostrou totalmente normal.
Com relação à interpretação anátomo-patológica da biópsia de intestino delgado, considerou-se diagnóstico sugestivo de DC quando havia presença de atrofia vilositária, e, portanto Marsh tipo III20. Quanto ao número de linfócitos intraepiteliais, segundo a classificação de Marsh, os padrões tipo I, II, III e IV apresentariam aumento destes linfócitos, entretanto este autor não estabeleceu qual seria este número. Por outro lado, Oberhuber et al (28) sugeriram que esta contagem deveria estar acima de 40 linfócitos intraepiteliais para cada 100 enterócitos baseados em estudos de biópsias jejunais da década de 70 (29). Como as biópsias do presente estudo foram obtidas do duodeno distal, preferimos ter como padrão de normalidade do número destes linfócitos, o estudo de Hayat et al. (22) que estabeleceu, estudando biópsia de duodeno distal de indivíduos normais, que 25 linfócitos intraepiteliais para cada 100 enterócitos corresponderia ao limite superior de normalidade, sendo que estes valores variaram entre 1,8 a 26 linfócitos intraepiteliais para cada 100 enterócitos. Realizamos a contagem dos linfócitos intraepiteliais de todas as biópsias de intestino delgado obtidas dos candidatos a doadores de sangue que se submeteram ao exame de endoscopia digestiva alta e observamos que embora a média fosse elevada 37,7 intraepiteliais/100 enterócitos (DP=18,4 intraepiteliais/100 enterócitos ) pelo menos dois indivíduos apresentaram valores dentro dos limites de normalidade segundo o estudo de Hayat et al., embora o indivíduo número 2 (Tabela 1) apresentasse atrofia vilositária subtotal (Marsh modificado tipo IIIb) com 23 linfócitos intraepiteliais/100 enterócitos e o indivíduo número 7 (Tabela 1) apresentasse atrofia vilositária total (Marsh modificado tipo IIIc) com 25 linfócitos intraepiteliais/100 enterócitos. Preferimos, nesta situação, valorizar a presença da atrofia vilositária subtotal e total a despeito do número limítrofe de linfócitos intraepiteliais levando em consideração o estudo de Crowe & Marsh30 que apresentou as dificuldades da enumeração dos linfócitos intraepiteliais em função do núcleo dos enterócitos demostrando, assim, a imprecisão desta contagem.
Assim, dos 3000 candidatos a doadores de sangue estudados, 1,5% (45/3000) apresentaram anticorpo antitransglutaminase tissular recombinante humana IgA positivo, e 46,7% (21/45) destes foram submetidos à biópsia de intestino delgado, demonstrando-se padrão histológico com atrofia vilositária, e, portanto, Marsh III, em 66,7% (14/21) destes. Por conseguinte, o diagnóstico de DC foi sugestivo em 1 em cada 214 candidatos a doadores de sangue investigados. Deve-se ressaltar que a proporção de diagnóstico sugestivo de DC neste estudo poderia ser maior, uma vez que 53,3% (24/45) dos indivíduos não realizaram a biópsia de intestino delgado, embora apresentassem anticorpo positivo, e, portanto, esta prevalência deve estar subestimada. Considerando que o anticorpo antitransglutaminase apresentou resultado falso positivo em 33,3% (7/21) dos casos, e que, portanto, houve resultado verdadeiro positivo em 66,7% (14/21) deles, poderíamos supor que 16 dos 24 (66,7%) candidatos que não realizaram exame de biópsia de intestino delgado apresentariam atrofia da mucosa intestinal e, consequentemente, somando este número (16) ao daqueles que efetivamente apresentaram biópsia com atrofia vilositária (14) teríamos que 30 dos 3000 candidatos, ou melhor, 1 em cada 100 candidatos a doadores de sangue na cidade de São Paulo poderiam apresentar diagnóstico sugestivo de DC. Como não devemos trabalhar com suposições, e sim com fundamento preciso, podemos dizer que pelo menos 1 em cada 214 candidatos a doadores de sangue na cidade de São Paulo apresentaram diagnóstico sugestivo de DC. Vale a pena lembrar que a iniciativa de incluir os candidatos a doadores de sangue anêmicos na casuística não contribuiu para o aumento da prevalência de DC uma vez que nenhum dos nove candidatos pesquisados com esta condição apresentou anticorpo positivo. Poderíamos mais uma vez supor que alguns destes candidatos, ou até mesmo considerando alguns candidatos da amostra como um todo, pudessem apresentar deficiência total de imunoglobulina A e, assim, apresentar anticorpo negativo mesmo sendo portador de DC. Entretanto, mesmo sabedores desta possibilidade não realizamos a dosagem de imunoglobulina A nos 2861 (95,4%; 2861/3000) candidatos com anticorpo negativo, pois a despesa financeira para a realização deste exame num estudo populacional não se traduziria em real benefício. Levando em conta que 1 em 400 a 3000 indivíduos da população geral apresenta deficiência total de imunoglobulina A (inferior a 7 mg/dL) (31), teríamos na amostra estudada entre 1 a 7 indivíduos com esta condição. Segundo dados do estudo em familiares de primeiro grau de pacientes com DC, podemos deduzir que eventualmente numa amostra de 7 indivíduos com deficiência total de IgA possivelmente um destes poderiam apresentar biópsia intestinal com atrofia vilositária, e portanto, no grupo de candidatos a doadores de sangue com anticorpo negativo, um deles poderia ter diagnóstico sugestivo de DC.
Assim, podemos afirmar que a prevalência de DC na cidade de São Paulo, Brasil, é semelhante a dos países europeus. Comparando os resultados deste estudo com os dois estudos realizados no Brasil, verificamos que a prevalência observada na cidade de São Paulo (pelo menos 1:214) foi pelo menos três vezes superior à da cidade de Brasília (1:681) e da cidade de Ribeirão Preto (1:600) se considerarmos o diagnóstico de DC naqueles indivíduos com atrofia vilositária (Marsh tipo III e IV) e, portanto, 5 em 3000 doadores de sangue. Estas diferenças podem ser explicadas porque a população de Brasília é constituída por indivíduos onde a miscigenação com os europeus é menor do que a que ocorre em São Paulo, e também porque a cidade de São Paulo é mais cosmopolita e composta de população cuja proporção de indivíduos de ascendência européia é maior do que a cidade de Ribeirão Preto.
Quanto ao sexo, houve ligeira predominância, sem significância estatística, do sexo feminino (N=8) em relação ao sexo masculino (N=6), portanto, 1,3 mulheres: 1 homem. Possivelmente, se todos os indivíduos com anticorpo positivo tivessem realizado a biópsia de intestino delgado, haveria predominância do sexo feminino uma vez que o número de mulheres que não realizaram a biópsia foi o dobro (N=16) do número de homens que não realizaram a biopsia (N=8). Neste caso a proporção de indivíduos do sexo feminino com DC poderia ser próximo de 2:1, conforme literatura a respeito da DC. Nos demais trabalhos acerca de DC em doadores de sangue, encontraram-se maior prevalência de DC no sexo masculino porque a proporção de doadores de sangue do sexo masculino que participaram dos estudos foi maior do que do sexo feminino, com exceção do estudo de Melo (12), que, à semelhança do presente estudo, teve o cuidado de constituir a casuística com o mesmo número de indivíduos de cada sexo.
Com relação à cor, apesar da dificuldade no seu estabelecimento entre os indivíduos, podemos afirmar que um dos candidatos a doadores de sangue com diagnóstico de suspeita de DC era da cor negra, considerada rara na DC.
Quanto ao estado nutricional, verificamos que nenhum dos indivíduos com suspeita de DC apresentou baixo peso, e que a presença de peso adequado, pré-obesidade e obesidade não exclui a possibilidade do diagnóstico de DC.
Deve-se mencionar a importância de aplicarmos um questionário a todos os participantes deste estudo com respeito à presença de manifestações gastrointestinais nos últimos três meses - diarréia, constipação e dor abdominal - a que permitiu demonstrarmos a associação entre cada uma destas manifestações e o diagnóstico de DC. Os trabalhos anteriormente publicados, embora tivessem constatado a presença de sintomas gastrointestinais em parte dos indivíduos com DC, não puderam avaliar a ocorrência desta associação porque não aplicaram o questionário a todos os participantes. Portanto, podemos depreender com os resultados do presente estudo que os indivíduos da população geral que apresentam os sintomas gastrointestinais investigados têm maior chance de apresentarem DC do que aqueles isentos destes sintomas.
Em conclusão, a prevalência de DC em candidatos a doadores de sangue, na cidade de São Paulo, é elevada, à semelhança dos países da Europa e, portanto, devemos estar atentos a este diagnóstico que, possivelmente, tem sido subestimado, o que confirma que esta doença não é rara em nosso país.
2.7 Referências ( ver no texto original )
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