Atualização – Doença celíaca
Doença freqüente, às vezes silenciosa, deve ser pesquisada e tratada.
Autores:
Adriana Sevá Pereira / Rogério Antunes Pereira Filho
http://www.sgnsp.org.br/artigos.php?id=21
1. Introdução
A doença celíaca (DC) é um distúrbio imune-mediado que afeta principalmente o trato gastrointestinal. É caracterizada pela inflamação crônica da mucosa do intestino delgado que pode resultar na atrofia das vilosidades intestinais, com conseqüente malabsorção intestinal e suas manifestações clínicas. Estas podem se iniciar na infância ou na vida adulta e os sintomas intestinais clássicos são diarréia, distensão e dor abdominal.
Até recentemente a DC foi considerada uma doença rara nas populações. Estudos sugerem que sua prevalência é muito maior do que as estimativas anteriores, possivelmente afetando 1% da população, o que indica que a doença deve estar sendo subdiagnosticada. A identificação recente dos auto-antígenos envolvidos na DC conduziu ao desenvolvimento de novos testes sorológicos para o diagnóstico, os quais permitem identificar muitos indivíduos sem a sintomatologia clássica gastrointestinal.
Na última década, muitas organizações fizeram revisões sistemáticas, estabeleceram regras e consensos a fim melhorar a consciência, o diagnóstico, e a conduta na DC.
2. Definições
Doença Celíaca (DC), conhecida também como sprue celíaco, enteropatia glúten induzida, ou sprue não tropical é uma enteropatia que afeta o intestino delgado de crianças e adultos geneticamente predispostos, precipitada pela ingestão de alimentos contendo glúten. A DC faz parte da doença por sensibilidade ao glúten junto com dermatite herpetiforme (DH), nefropatia, artropatia e aftas recorrentes.
Glúten é uma mistura de proteínas responsável pelas propriedades de panificação dos seguintes cereais: trigo, centeio, cevada e aveia. As proteínas do glúten que são solúveis em álcool são as prolaminas, entre as quais as gliadinas, mais precisamente a alfa-gliadina, são as proteínas tóxicas para os celíacos.
3. Etiopatogenia
A interação entre fatores genéticos (HLA e outros), ambientais (glúten) e imunológicos celulares (linfócitos B) e humorais (linfócitos T) resulta nas alterações intestinais típicas da DC.
Fatores genéticos
A susceptibilidade genética é sugerida pela alta associação entre os indivíduos com DC e seus familiares em relação à prevalência e à presença dos tipos de HLA (Quadro 1). Quanto mais próximos os familiares, maior é a prevalência: 70% em gêmeos monozigóticos. 10% em parentes de primeiro grau e 2,5% em de segundo grau, enquanto na população geral é cerca de 1%.
A prevalência em gêmeos idênticos não sendo 100% sugere que os genes HLA são essenciais, mas não são os únicos genes requeridos para a doença se manifestar. Estima-se que os genes de HLA contribuem com aproximadamente um terço da variação genética da doença. A DC é associada com o HLA-DQ2 em 90 a 95% dos casos e com o HLA-DQ8 em 5 a 10% dos casos. As populações que não têm DQ2, por exemplo, chineses e japoneses, só apresentam DC nos indivíduos com DQ8.
Quadro 1. Riscos da predisposição genética.
Condições
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Risco
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População geral
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1/100
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Indivíduos com HLA-DQ2 ou HLA-DQ8
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1/5
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Parentes de primeiro-grau com HLA desconhecido
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1/10
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Parentes de primeiro grau com DQ2 ou DQ8+
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1/3
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Gêmeos idênticos
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1/1,5
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Fatores ambientais
A expressão de HLA é condição necessária, mas não suficiente para o desenvolvimento da DC. O fator chave para o desenvolvimento de DC é a ingestão de glúten. Não há DC sem ingestão de glúten.
Embora a DC apareça em alguns casos após uma infecção intestinal, poderia haver relação entre estas duas situações, mas ainda não se provou se isto é importante.
Fatores imunológicos
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- Linfócitos intra-epiteliais (LIe)
Os LIe são células T que, nos celíacos, apresentam receptores importantes na manutenção da integridade epitelial por destruírem células infectadas ou alteradas. Eles são marcadores precoces da DC e podem identificar formas latentes da DC
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- Células T CD4
Na lâmina própria do intestino delgado há células T CD4 glúten-específicas que, ao reconhecerem os peptídeos do glúten, secretam interleucinas e fator de necrose tumoral, levando às alterações da mucosa.
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- Resposta auto-imune específica ao endomísio
A DC está associada à resposta auto-imune altamente específica ao endomísio, que faz parte da estrutura da matriz celular do tecido conjuntivo do músculo liso, sendo que o antígeno endomisial foi recentemente identificado como a transglutaminase tecidual (TGt) ou transglutaminase 2. Esta enzima é responsável pela deaminação da gliadina.
Os auto-anticorpos anti-TGt podem bloquear a maturação do epitélio intestinal o que explica o epitélio pouco diferenciado na DC.
Resumo da etiopatogenia
A gliadina, proteína do glúten, é deaminada pela TGt e é reconhecida então pelas células apresentadoras de antígenos que carregam HLA-DQ2 ou DQ8, provocando desse modo a reação auto-imune da DC. Como o glúten tem papel indiscutível na inflamação e no dano tecidual imune-mediado, a DC representa o único modelo de auto-imunidade em que, em contraste com as outras doenças auto-imunes, uma associação genética forte com HLA-DQ2, DQ8, ou ambos; uma resposta auto-imune humoral altamente específica (anti-TGt); e, mais importante, o fator ambiental desencadeante (glúten) foi identificado.
Marsh em 1992 descreveu a resposta intestinal ao glúten através de cinco lesões relacionadas no quadro 3 (pré-infiltrativa, infiltrativa, hiperplásica, destrutiva, e hipoplástica) que são interpretáveis como respostas imunológicas mediadas por células da lâmina própria, onde há processos inflamatórios antígeno-específicos).
4. Epidemiologia
Os avanços na compreensão da natureza múltipla da DC e da identificação de testes sorológicos sensíveis conduziram ao reconhecimento que a DC é muito mais comum do que pensaram previamente. Os estudos de população usando várias combinações de testes sorológicos e da biópsia do intestino delgado sugerem que a prevalência da DC é de 0,5 a 1%, tanto nos EUA como na Europa. Estas prevalências incluem indivíduos sintomáticos e assintomáticos.
Determinados grupos têm prevalência aumentada da DC. Os parentes de primeiro grau dos indivíduos com biópsia mostrando atrofia vilosa para DC têm prevalência entre 4 e 12 %. Os parentes de segundo grau parecem também ter prevalência aumentada, embora este seja definido somente pela sorologia. Pessoas com diabetes melitus tipo 1 têm prevalência da DC biópsia-confirmada que varia de 3 a 8 %. Os indivíduos com síndrome de Down têm prevalência da DC entre 5 e 12 %. A DC é associada
também com síndrome de Turner, síndrome de Williams, deficiência seletiva de IgA e distúrbios auto-imunes.
Há não muito tempo pensava-se que a DC era uma condição rara e que ocorria somente nos caucasianos. A apresentação típica era de crianças com perda de peso e diarréia.
Atualmente sabe-se que:
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• A DC é comum e afeta de 1/100 a 1/300 da população adulta na maior parte do mundo, com relação de duas mulheres para cada homem.
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• A DC ocorre freqüentemente sem sintomas gastrointestinais ou com sintomas mínimos ou atípicos.
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• Os riscos são muito maiores nos parentes do primeiro-grau (até 10%) do que em parentes de segundo grau, assim como nos diabéticos, nas doenças auto-imunes e na síndrome de Down.
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• Na DC, alguns pacientes têm fertilidade afetada e a gravidez pode evoluir desfavoravelmente especialmente em pacientes ainda sem diagnóstico. O quadro clínico pode se agravar durante a gravidez ou durante o puerpério em até 17% das mulheres com DC.
No Brasil, dos poucos dados existentes, o estudo de doadores de sangue saudáveis apresentou DC não diagnosticada em 1/681 (Gandolfi et al, 2000), revelando que também não é rara por aqui.
A imagem do iceberg idealizada por Richard Logan em 1991 significa que a prevalência é o total do iceberg, enquanto tudo que está abaixo do nível da água representa o número total de casos não diagnosticados em uma dada população em um dado momento, enquanto a ponta do iceberg, acima do nível da água, representa o número de casos diagnosticados e que é muito menor do que os não diagnosticados. O tamanho total do iceberg é mais ou menos o mesmo em todas as populações, mas o "nível da água" pode diferir de continente a continente. Este nível depende da consciência que a DC existe, da disponibilidade de recursos diagnósticos e das variações da manifestação clínica (latentes, silenciosos, assintomáticos). A relação de casos de DC diagnosticados com não diagnosticados na Europa é ao redor 5/1 a 13/1, mas o iceberg parece estar mais submergido nos EUA, onde há menor número de diagnósticos.
5. Quadro clínico
A DC tradicionalmente era definida como malabsorção intestinal com início na infância algum tempo após a introdução do glúten na dieta. Reconhece-se agora, entretanto, que as manifestações clínicas são altamente variáveis, podendo se apresentar em todas as idades, e envolvem múltiplos órgãos.
5.1. Manifestações clínicas
As manifestações gastrointestinais podem incluir a diarréia, perda de peso, deficiência de crescimento, dor, gases e distensão abdominal, anorexia, constipação e vômitos. A presença de obesidade não exclui o diagnóstico. Em adultos o sintoma mais comum é a diarréia crônica, além de perda de peso e distensão abdominal. Em crianças os sintomas são: atraso de crescimento, baixo peso, baixa estatura, vômitos, diarréia, dor abdominal recorrente, fraqueza muscular, intestino irritável, hipoproteinemia, irritabilidade e apatia.
É muito comum que a DC se apresente com manifestações extra-intestinais, às vezes com quase nenhum sintoma gastrointestinal, por exemplo, fraqueza, mal-estar, neuropatia periférica, deficiência de ácido fólico, osteoporose. A DH é um rash intensamente pruriginoso nas superfícies extensoras das extremidades. A anemia por deficiência do ferro é comum e pode ser o único sinal. Outras apresentações sem explicações, puberdade atrasada, infertilidade, abortos recorrentes, osteoporose, deficiências vitamínicas, fadiga, desnutrição, estomatite aftosa recorrente, transaminases elevadas, e hipoplasia do esmalte dental. A DC pode também ser associada com distúrbio endócrino auto-imune, como a tireoidite. Além disto, uma variedade de condições neuropsiquiátricas tais como a depressão, a ansiedade, a neuropatia periférica, a ataxia, a epilepsia com ou sem calcificações cerebrais, e as dores de cabeça da enxaqueca foram relatadas nos indivíduos com DC.
Pensar em DC nos casos de: deficiência não explicada de ácido fólico, de ferro e de vitamina B12 ,
hipoalbuminemia, hipertransaminasemia não explicada, osteoporose, osteomalácia, dor abdominal recorrente, erupções de pele.
5.2. Classificação clínica da DC
DC clássica
É dominada por sintomas e por seqüelas da malabsorção gastrointestinal. O diagnóstico é estabelecido pelos testes sorológicos, pela atrofia vilosa evidente na biópsia e pela melhora dos sintomas com DIG.
DC atípica
É caracterizada por poucos ou por nenhum sintoma gastrointestinal, e as manifestações extra-intestinais são predominantes. As características atípicas da DC são a apresentação mais comum atualmente e são responsáveis pelo aumento da prevalência. O diagnóstico é estabelecido da mesma forma que na DC clássica
DC silenciosa
Os indivíduos são assintomáticos, mas com teste sorológico positivo e atrofia vilosa na biópsia. Eles são detectados geralmente através da triagem de indivíduos de alto risco ou pela realização de biópsia duodenal em endoscopia com alterações sugestivas de DC.
DC latente
É definida por sorologia positiva, mas sem atrofia vilosa na biópsia. Estes indivíduos são assintomáticos, porém mais tarde podem desenvolver sintomas e/ou alterações histológicas.
6. Diagnóstico da DC
O passo mais importante no diagnóstico da DC é reconhecer o distúrbio e suas múltiplas características clínicas. Não existe um teste único que possa definitivamente diagnosticar ou excluir a DC. Assim como há um espectro clínico da DC, o espectro também acontece nos achados laboratoriais e histopatológicos. A biópsia intestinal junto com sorologia positiva representa o padrão-ouro para o diagnóstico da DC.
A primeira etapa são os testes sorológicos e os melhores disponíveis, por terem sensibilidades e em especificidades muito elevadas, são o anticorpo IgA ATGt e o anticorpo IgA AEm. Eles parecem ter acuidade diagnóstica equivalente.
As pesquisas do anticorpo antigliadina (AAG) não são mais recomendadas porque têm sensibilidade e especificidade baixas. Uma indicação é a avaliação da aderência à DIG.
6.1. Anticorpos no diagnóstico da DC
Os estudos sorológicos para a DC podem ser divididos em dois grupos, baseados nos antígenos alvos: TGt e gliadina. (Quadro 2)
Quadro 2. Anticorpos na DC em relação aos antígenos-alvo.
Antígeno alvo
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AG
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Anticorpo
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AC
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Auto-antígenos
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Transglutaminase tecidual
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TGt
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IgA Antitransglutaminase tecidual
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IgA ATGt
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Endomísio
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Em
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IgA Antiendomísio
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IgA AEm
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Antígenos ambientais
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Gliadina
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G
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IgA Antigliadina
IgG antigliadina
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IgA AG
IgG AG
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IgA AEm
Anticorpos IgA AEm se unem ao endomísio, produzindo um padrão característico visualizado pela imunofluorescência indireta. O resultado de teste é relatado simplesmente como positivo ou negativo, já que mesmo títulos baixos de anticorpos IgA AEm são específicos para a DC. O antígeno alvo foi identificado como TGt. O teste de anticorpo IgA AEm é moderadamente sensível e altamente específico para DC (ativa) não tratada.
IgA Anti-TGt
Os anticorpos AEm são contra o antígeno TGt. O teste de IgA Anti-TGt é altamente sensível e específico para o diagnóstico da DC. Testes ELISA para anticorpos IgA anti-TGt estão disponíveis e são mais fáceis de executar, menos dependentes do observador e mais baratos do que o método da imunofluorescência usado detectar anticorpos IgA AEm. A exatidão diagnóstica de métodos enzimáticos de IgA anti-TGt melhorou com o uso do TGt humano no lugar das preparações não humanas do TGt usadas anteriormente.
IgA-AAG e IgG-AAG
A gliadina, principal proteína do glúten, está disponível na forma purificada e é usada como antígeno para os testes de ELISA detectarem AAG do soro. Os níveis de AAG séricos são freqüentemente elevados em DC não tratada, e foram usados por muitos anos como auxílio diagnóstico. Embora estes testes demonstrem sensibilidade e especificidade moderadas, seu valor preditivo positivo na população geral é relativamente pobre. Os testes de AAG não são recomendados rotineiramente, porque suas sensibilidade e especificidade são baixas, levando a muitos resultados falsos, embora seja bom para seguimento porque normaliza em 6 meses de DIG.
6.2. Biópsia intestinal
A DC afeta a mucosa do intestino delgado, com alterações mais evidentes no delgado proximal, embora em casos graves as lesões possam ocorrer até no íleo. O grau de alterações varia extremamente. Elas podem ser muito leves em casos "silenciosos", com quase nenhuma anormalidade histológica detectável no jejuno.
Coleta do fragmento de biópsia
Apesar de a biópsia por sucção (cápsula de Crosby) fornecer amostras melhores de mucosa intestinal, a endoscopia é atualmente o método mais conveniente para se colher os fragmentos. Devem ser feitas pelo menos 3 biópsias durante o exame endoscópico da segunda ou terceira porção do duodeno, local em que as alterações já são evidentes. Importante é esticar os fragmentos da mucosa em um pedaço de papel filtro de forma que a superfície das vilosidades fique para cima. E o corte deve ser feito perpendicularmente ao papel para que a altura da mucosa seja mais bem avaliada. Ocasionalmente, as alterações do duodeno e do jejuno podem ser focais, o que justifica segunda biópsia em pacientes que tenham AAEm positivo. Entretanto, isto só é feito se todas as três amostras da primeira biópsia mostrarem histologia normal.
Características histológicas de enteropatia celíaca
A lesão começa com infiltração de linfócitos intra-epiteliais (LIe) em quantidade maior que 30 para cada 100 enterócitos. Depois ocorre hiperplasia da cripta, isto é, há um aumento na profundidade da cripta sem redução na altura da vilosidade. Mais tarde ocorre atrofia das vilosidades de forma parcial, subtotal e total. Esta é a lesão celíaca clássica, mas não estabelece definitivamente o diagnóstico porque pode também ser vista em giardíase grave, alergia alimentar, doença enxerto versus hospedeiro, isquemia crônica do intestino delgado, sprue tropical e deficiências imunológicas. A atrofia vilosa total pode ser considerada o último estágio em um grupo muito pequeno dos pacientes que não responde à DIG e que pode desenvolver complicações malignas. Pode haver depósito de colágeno na mucosa e na submucosa (sprue colágeno, distúrbio que pode estar relacionado à DC).
Apesar de as alterações da mucosa estarem presentes, muitos indivíduos são assintomáticos e conseqüentemente classificados como casos subclínicos ou silenciosos.
O relatório do patologista deve especificar o grau de hiperplasia das criptas, a atrofia vilosa assim como avaliar o número de linfócitos intra-epiteliais. Para a confirmação do diagnóstico de DC algum grau de atrofia vilosa é necessário, então o encontro de linfócitos intra-epiteliais com hiperplasia de cripta sem atrofia vilosa não é definitivo. A padronização dos relatórios da patologia na DC é desejável, usando critérios tais como os de Marsh (1992) modificados por Oberhuber et al. (1999).
O patologista e o clínico devem ser incentivados a correlacionar os resultados da biópsia com os laboratoriais e as características clínicas. Se houver discordância entre a interpretação da biópsia e os marcadores sorológicos, ou os encontros clínicos, deve ser procurada a segunda opinião na interpretação da biópsia.
Quadro 3. Classificação de Marsh das alterações histológicas do intestino delgado na DC
O anexo descreve a classificação das alterações histológicas relativas à DC.
6.3. Endoscopia digestiva alta
Embora a endoscopia possa levar à indicação da biópsia intestinal, ela pode não ser suficientemente sensível para detectar todos os casos de DC em uma população. Os achados endoscópicos da DC estão descritos no quadro 4. e na figura 3.
Quadro 4. Achados endoscópicos da DC.
Padrão da mucosa do tipo mosaico, com fissuras.
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Pregas de Kerkring planas no duodeno descendente.
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Pregas que diminuem de tamanho ou desaparecem com a insuflação máxima.
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Vasos sanguíneos visíveis.
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Perda de granulosidade.
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- Figura 2. Aspectos endoscópicos do duodeno na DC.
Mucosa em padrão mosaico com pregas serrilhadas, mais evidentes após coloração com índigo carmim.
Papel do endoscopista na suspeita da DC
Embora a endoscopia mostre alterações na DC (figura 2), os aspectos endoscópicos não são suficientemente sensíveis, então, não se pode confiar nela como um único procedimento diagnóstico para confirmar ou excluir a DC. A atrofia da mucosa pode ser altamente sugestiva de DC, mas em várias áreas do mundo há diversos diagnósticos diferenciais, por exemplo, o sprue tropical, a desnutrição, a doença da cadeia alfa, etc.
Entretanto, quando a endoscopia é solicitada por outras razões, o endoscopista deve estar alerta e proceder à realização da biópsia duodenal.
O quadro 5 tenta estabelecer uma seqüência para o diagnóstico de DC.
Quadro 5. Cascata para diagnosticar a DC.
Auto-anticorpos e endoscopia com biópsia intestinal (padrão ouro)
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Endoscopia com biópsia intestinal
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Auto-anticorpos
AEm ou anti-TGt ou ambos
ELISA
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Diagnóstico baseado "em aspectos clínicos", com melhora após DIG
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Os testes sorológicos são para encontrar casos e a biópsia é o padrão ouro para o diagnóstico.
Com resultados positivos concordantes da sorologia e da biópsia, um diagnóstico presuntivo da DC pode ser feito. O diagnóstico definitivo é confirmado quando os sintomas melhoram após a DIG (DIG). A demonstração de normalização histológica com DIG não é mais requerida para o diagnóstico definitivo da DC.
Em um indivíduo com sintomas sugestivos e testes sorológicos negativos, três cenários são possíveis. Primeiramente, o indivíduo pode ter deficiência seletiva de IgA. Se a deficiência de IgA for identificada, teste de IgG-ATGt ou de IgG-AEm deve ser executado. Em segundo, o teste sorológico pode ser "um negativo falso". Neste caso o teste poderia ser repetido e/ou a biópsia intestinal poderia ser feita. Em terceiro lugar, o paciente pode não ter DC.
Em sorologia positiva da DC e com resultados normais da biópsia, devem ser recomendados: biópsia adicional do intestino, monitoração periódica com testes sorológicos da DC ou teste com DIG.
6.4. Tipagem de HLA
A tipagem do HLA serve de marcador genético, sendo importante para detectar familiares de DC.
Quando o diagnóstico da DC é incerto por causa dos resultados indeterminados, o teste para determinados marcadores genéticos (haplótipos de HLA) pode estratificar indivíduos com risco alto ou baixo para a DC. Mais exatamente 97% de indivíduos com DC têm o marcador DQ2 e/ou DQ8, comparado a aproximadamente 40 % da população geral. Conseqüentemente, é extremamente improvável um indivíduo negativo para DQ2 ou DQ8 ter DC (valor preditivo altamente negativo).
6.5. Malabsorção intestinal
A atrofia das vilosidades intestinais característica da DC, produz como conseqüência, malabsorção intestinal e suas manifestações clínicas. A síndrome de malabsorção deve ser diagnosticada através de exames especializados e tratada como descrito em Ferraz et al em 2004.
6.6. Desafio com glúten
Atualmente não se tem exigido que o desafio com glúten, ou re-teste, seja feito para o diagnóstico de certeza.
A resolução dos sintomas em DIG não é suficiente para diagnosticar a DC. Para os indivíduos que foram colocados em uma DIG sem uma avaliação diagnóstica apropriada, deve-se fazer o desafio do glúten. Para aqueles que não querem se submeter um desafio do glúten, a ausência de DQ2 e DQ8 na tipagem de HLA pode ajudar a excluir o diagnóstico.
6.7. Diagnóstico diferencial
A DC apresenta quadro clínico muito complexo e variado, e há muitas doenças com as alterações de mucosa intestinal similares às da DC.
Quadro 6. Alterações mucosas similares àqueles na DC
Sprue tropical
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Enteropatia por HIV
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Estados combinados de imunodeficiência
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Radiação
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Quimioterapia recente
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Doença de doador X hospedeiro
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Isquemia crônica
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Giardíase
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Doença de Crohn
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Gastroenterite eosinofílica
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Síndrome de Zollinger-Ellison
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Enteropatia auto-imune
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Enteropatia associada ao linfoma de células T
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Sprue refratário
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Sprue colágeno
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(os últimos quatro são relacionados provavelmente à DC)
6.8. Por que o diagnóstico da DC é difícil?
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• Diagnósticos errôneos (freqüentemente síndrome do intestino irritável).
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• O quadro clínico pode se apresentar com poucos ou nenhum sintomas e pode ter períodos latentes.
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• As crenças antigas em alguns mitos levam os clínicos a não pensarem em DC, quando na realidade ela deve sempre ser lembrada. Exemplos de mitos não verdadeiros: DC é rara, ocorre somente nos caucasianos, principalmente na Europa e nos EUA, ocorre somente na infância e pode ser curada após um período de tratamento.
7. Associações e Complicações da DC
A DC pode apresentar complicações graves quando não tratada. Isto leva à certeza que a DIG deve ser rígida e permanente. As complicações da DC ocorrem após muitos anos da doença e são observadas geralmente nos adultos. A mortalidade por todas as causas na DC clinicamente diagnosticada é aproximadamente duas vezes maior que a populações em geral.
Quadro 7. DC não tratada tem risco elevado para:
Condições
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Risco
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Câncer (1,3/1)
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1,3/1
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Linfomas malignos
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Neoplasia do intestino delgado
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Tumores de orofaringe
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Infertilidade não explicada (12%)
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1/8
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Osteoporose (risco aumentado para pacientes com DC clássica).
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Doença maligna
As doenças malignas, principalmente o linfoma do delgado, são mais freqüentes nos pacientes com DC clássica por muito tempo não tratada. A DIG deve ser prescrita para proteger contra o desenvolvimento de doença maligna. A maioria de estudos relata um risco aumentado do linfoma não Hodgkin na DC, mas freqüentemente não o distinguem entre o linfoma associado à DC clássica (linfoma associado a enteropatia de células T) e outros subtipos. Ocorre principalmente nos pacientes diagnosticados durante a vida adulta.
Há um risco aumentado para adenocarcinoma do intestino delgado e de outros locais do trato gastrointestinal: carcinoma do esôfago, carcinoma de células escamosas da orofaringe.
Osteoporose
A densitometria óssea deve ser feita na ocasião do diagnóstico da DC, porque a densidade do osso é reduzida em adultos e em crianças com DC e é mais grave na DC sintomática do que na forma silenciosa e está associada com risco de fratura. A densidade mineral do osso melhora com a DIG, mas à vezes não se normaliza.
Fertilidade
A DC pode estar associada ao atraso da menarca, à menopausa prematura, à amenorréia, aos abortos recorrentes e também a mãe com poucos filhos. Mas nem sempre isto ocorre. Pacientes com DC podem ter bebês com baixo peso ao nascimento, mortalidade perinatal aumentada e amamentação mais curta. A aderência à DIG está associada melhores resultados. Além disso, os homens com a doença tendem também a ter crianças com gestação mais curta e pesos baixos ao nascimento.
A DC pode manifestar-se clinicamente pela primeira vez durante a gravidez ou no puerpério. Em alguns casos, o estudo da infertilidade, tanto em mulheres como em homens pode levar ao diagnóstico de DC.
Distúrbios auto-imunes
Os distúrbios auto-imunes ocorrem dez vezes mais freqüentemente em adulto com DC do que na população geral. Quando a doença auto-imune e a DC são concomitantes, a DC é freqüentemente silenciosa, e conseqüentemente o distúrbio auto-imune é diagnosticado antes.
Quadro 8. Distúrbios auto-imunes relacionados à DC
Diabetes tipo 1 insulino-dependente
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Doença da tireóide
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Síndrome de Sjögren
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Doença de Addison
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Doença auto-imune do fígado
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Cardiomiopatia
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Distúrbios neurológicos
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Dermatite herpetiforme (DH)
A DH é considerada uma manifestação cutânea da sensibilidade ao glúten. Aparece como vesículas pruriginosas, geralmente nos cotovelos, joelhos e nádegas. Geralmente não há sintomas digestivos, mas as alterações histológicas são características da DC.
A DH é diagnosticada pela biópsia da pele. É tratada com DIG e são usadas medicações para controlar a dermatite, por exemplo, dapsona ou sulfapiridina, por durante muitos anos. As doenças tanto da pele quanto do intestino delgado são dependentes do glúten e estão altamente associadas ao HLA-DQ, com diferenças não genéticas para explicar os dois fenótipos.
DC refratária
A DC refratária é a persistência dos sintomas e da inflamação intestinal apesar de DIG. Isto pode ocorrer no contexto da jejunite ulcerativa, ou pode ser manifestação adiantada do linfoma intestinal.
8. Conduta na DC
O tratamento para a DC deve começar somente após avaliação diagnóstica completa incluindo a sorologia e a biópsia. Considerar e tratar deficiências vitamínicas e minerais, incluindo ferro, cálcio, fósforo, folato, vitaminas lipossolúveis e B12. Os indivíduos com DC recentemente diagnosticada devem submeter-se à seleção para a osteoporose dada a ocorrência mais freqüente nesta população.
8.1. Conduta
Alguns autores elaboraram algoritmos para conduta e seguimento da DC, o que inclui revisão com médico interessado em DC, aconselhamento com nutricionista competente ou com o próprio médico e acesso a grupos de apoio de DC. Como as situações são extremamente variáveis, não dá para se estabelecer uma regra rígida de conduta. È necessário utilizar as facilidades do momento e do local.
O tratamento para a DC é DIG para toda a vida, quando é proibida a ingestão de trigo, cevada, centeio e aveia.
Conduta inicial:
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• Prescrever DIG. Para o correto seguimento da DIG, se não houver uma nutricionista, o próprio médico deve instruir o paciente e a família, deve ajudar a estabelecer o cardápio e também controlar a dieta.
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• No caso de intolerância à lactose, utilizar dieta com baixo teor de lactose (Sevá-Pereira, 2004).
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• A malabsorção intestinal deve ser diagnosticada e tratada como descrito em Ferraz et al em 2004.
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• Pesquisar deficiências de ferro e de folatos e densitometria óssea (em alguns casos).
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• Recomendar vitamina D e suplementação com cálcio na osteoporose.
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• Recomendar testes sorológicos para parentes de primeiro e de segundo graus
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• Na possibilidade de existir grupo de apoio, sugerir que os pacientes e seus familiares freqüentem as reuniões para trocar informações e melhor evolução.
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• Os parentes devem ser ajudados para que sintam que eliminar o glúten da dieta é a única possibilidade de melhora da DC e a supervisão médica deve ser continuada.
A maioria dos pacientes tem resposta clínica rápida à DIG, geralmente em 2 semanas, embora a taxa da resposta varie. Pacientes extremamente doentes podem requerer internação, prescrição de líquidos e eletrólitos, alimentação intravenosa, e, excepcionalmente esteróides.
8.2. Dieta Isenta de Glúten (DIG)
O tratamento eficaz para DC é DIG rigorosa para o resto da vida. Isto significa nada de trigo, centeio, ou cevada. Com relação à aveia, ela não é tóxica em 95% dos pacientes com DC ou DH, mas há um subgrupo pequeno (< 5%) para quem a aveia não é segura. Quando este dado for desconhecido, a aveia deverá fazer parte dos alimentos proibidos. Além disto, há alguma relutância para recomendar o uso liberal da aveia por causa da dificuldade em garantir que a aveia comercialmente disponível esteja livre da contaminação com outros grãos. Considera-se que mesmo quantidades pequenas de glúten podem ser prejudiciais. O quadro 9 relaciona os alimentos não permitidos na DIG, enquanto o quadro 10 sugere tudo que é permitido, entre os quais: carnes, o peixe, arroz, milho, frutas, vegetais em folha.
Quadro 9. Dieta isenta de glúten - Alimentos não permitidos (em nenhuma quantidade)
trigo
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farinha de trigo, pães, macarrão, farinha de rosca, bolos e biscoitos
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cevada
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farinha de cevada, bala de cevada, cerveja
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centeio
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malte, whisky (não há certeza se o whisky contém glúten)
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aveia
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farinha de aveia
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Produtos industrializados
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farinha de cereais, Neston, Nescau, Ovomaltine, Farinha Láctea,
sopas, pudins, leites enriquecidos com farinhas de cereais,
molhos comprados prontos, café instantâneo
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Produtos preparados com cereais não permitidos
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tortas, bolinhos, empanados, fritos à milanesa,
molhos com farinha de trigo, farofas, croquetes, pastéis
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Carnes curtidas e em conservas
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salsicha, presuntos, e todos os entrouxados: copa, salame, etc.
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Temperos
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Curry, catchup, mostarda, maionese comercial
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Outros
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Frutas secas: avelãs, nozes, frutas cristalizadas.
marzipan, balas de cereais, chicletes
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Fermentos
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Fermentos não produzidos no Brasil podem conter glúten
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NOTA: Os produtos encontrados no mercado não são permitidos pela possível adição de farinha dos cereais não permitidos. Na dúvida, não comer.
Quadro 10. Dieta isenta de glúten - Alimentos permitidos
Laticínios
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leite e coalhada (se não houver malabsorção de lactose)
creme de leite, queijos, coalhadas, manteiga, requeijão
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Ovos
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Carnes
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Vaca, peixe, aves, suínos, etc
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Vegetais
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Verduras
Legumes
Frutas
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Cereais e feculentos
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arroz, farinha de arroz
milho, farinha de milho, maizena, sagu, fubá, pipoca, milho verde.
mandioca, mandioquinha, farinha de mandioca
batata, fécula de batata
feijão, ervilha, lentilha, grão de bico, soja, farinha de soja
pão, bolos e biscoitos, feitos com cereais e feculentos permitidos.
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Outros
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gelatina, sorvete, creme, manjar branco, pudim de arroz, quando preparados em casa.
açúcar, mel, melado, doces de frutas.
café (desde que moído à vista do comprador) chá
suco de frutas, chocolate, refrigerantes
óleos, azeitona, maionese (pura, feita em casa)
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Fermentos
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fermento em pó químico Royal e fermento biológico Fleishmann produzidos no Brasil (informação do Engenheiro de Alimentos - Dr. Paulo Teruo Matsura, diretor técnico da Fleishmann Royal, 1993).
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Desde 2003 há lei federal que obriga a que os produtos alimentícios comercializados informem sobre a presença de glúten, como medida preventiva e de controle da DC.
A pessoa que faz as compras para o paciente deve prestar atenção aos ingredientes estampados na embalagem e verificar se o produto tem escrito "isento de glúten". Como a DIG tem baixo conteúdo de fibra, deve-se recomendar aos pacientes que, para aumentar o conteúdo de fibras, suplementem suas refeições com arroz integral, batatas e vegetais.
Existem inúmeros sites na Internet sobre DIG e receitas com alimentos permitidos, além do anexo 1.
A aderência à DIG deve ser exaustivamente explicada aos pacientes. Aprender sobre a DC e como identificar produtos contendo glúten ajuda na melhora. A participação em um grupo de apoio é também meio eficaz de promover a sustentação emocional e social.
8.3. Avaliação do tratamento
Pode-se avaliar a resposta ao tratamento repetindo os testes sorológicos, mas estes testes podem demorar até 1 ano para normalizar, especialmente nos adultos, e podem não correlacionar com a melhora histológica. Os níveis sorológicos elevados persistentes podem sugerir a falta de aderência a DIG ou a ingestão não intencional do glúten. Os indivíduos que não respondem a DIG requerem a reavaliação.
8.4. Persistência dos sintomas
Uma dificuldade comum com a DIG é a presença do glúten oculto em alimentos e/ou em medicamentos (embora esta seja rara). A persistência dos sintomas é causada quase sempre pela ingestão de glúten.
Outras situações mais raras podem ocorrer para que os sintomas persistam no quadro 11.
Quadro 11. Razões para persistência dos sintomas apesar da DIG
Ingestão (inadvertida) de glúten
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Diagnóstico incorreto
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Intolerância à lactose ou à frutose
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Outras intolerâncias alimentares
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Insuficiência pancreática
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Colite microscópica
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Supercrescimento bacteriano
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Colite colágena ou sprue colágeno
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Síndrome do intestino irritável
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Jejunite ulcerativa
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Linfoma de célula T associado a enteropatias
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DC refratária
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Os últimos três podem ser considerados como complicações de DC de longa duração.
No caso de supercrescimento bacteriano do intestino delgado, prescrever antibioticoterapia de largo espectro (tetraciclina, eritromicina, metronidazol, ciprofloxacina, entre outros) por 10 a 15 dias (Ferraz et al, 2004).
8.5. DC refratária
O diagnóstico da DC refratária é considerado nos pacientes com características da DC que têm sintomas persistentes, atrofia vilosa e falha na resposta a DIG. Isto pode ocorrer na no início ou após uma resposta inicial a DIG. A DC refratária é considerada ser uma forma do linfoma intra-epitelial de baixo grau, revelado pela malabsorção grave que não responde à DIG, principalmente nos pacientes com DC com mais de 50 anos.
9. Pesquisa de DC na população
A maior controvérsia atualmente sobre a DC é quem deve ser pesquisado para a DC. A visão atual é que não há bastante evidência para suportar uma decisão de realizar a pesquisa maciça da população geral, nem há bastante evidência para avaliar os riscos da DC não detectada.
A favor da seleção/triagem da população:
As razões a favor da triagem da população em relação à DC são a saúde e o crescimento normal, assim como a qualidade de vida e a expectativa de vida.
A prevalência da doença e as conseqüências, particularmente quando não tratada, são tão altas que poderiam sustentar uma política da pesquisa da população geral.
Atualmente, há dados insuficientes para recomendar a pesquisa da população geral para a DC, embora a DC satisfaça os cinco critérios da OMS para justificar a seleção geral: 1. a detecção clínica precoce é difícil; 2. tem prevalência alta (1%) e causa morbidade significativa na população; 3. os testes para seleção são altamente sensíveis e específicos; 4. o tratamento - DIG - está disponível; 5. se não diagnosticada pode resultar em complicações que são difíceis de controlar, como o linfoma intestinal.
Contra a seleção/triagem da população:
Entretanto, além das implicações éticas, há implicações de recursos o que leva à questão se seria este o melhor uso quando os recursos são limitados.
Seleção obrigatória deve ser feita em:
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1. Indivíduos com sintomas gastrointestinais, incluindo a diarréia crônica, malabsorção, perda do peso, e distensão abdominal.
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2. Como a DC é um distúrbio múltiplo, os médicos devem estar cientes que o diagnóstico de DC deve ser lembrado em outras circunstâncias: indivíduos que tenham sinais e sintomas sem explicações, tais como elevações persistentes das transaminases, baixa estatura, puberdade atrasada, anemia ferropriva, perda fetal recorrente, e infertilidade.
O DC é uma condição médica comum. A prevalência é mais elevada em grupos de alto risco. Os clínicos de várias especialidades devem suspeitar para o diagnóstico da DC e em particular necessitam ter atenção para identificar os grupos de alto risco. Estes incluem indivíduos com diabetes melitus tipo 1, endocrinopatias auto-imunes, parentes de primeiro e de segundo graus dos indivíduos com DC, indivíduos com síndrome de Turner, síndrome de Down.
Quadro 12. Risco elevado para a DC:
Condições
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Risco
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Colite linfocítica
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1/5
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Síndrome de Down
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1/8
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Doença auto-imune da tireóide
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1/20
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Diabetes melitus tipo 1
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1/20
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Síndrome do intestino irritável
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1/50
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Outras circunstâncias que devem ser testadas para DC incluem a síndrome do intestino irritável, a estomatite aftosa persistente, doenças auto-imunes, neuropatia periférica, ataxia cerebelar, e hipoplasia do esmalte dental.
Embora os indivíduos com DC freqüentemente tenham osteoporose, não há dados que indiquem prevalência significativamente aumentada da DC na osteoporose.
Os indivíduos e os médicos devem estar cientes da prevalência aumentada da DC nestes grupos.
10. Conclusões
A DC é um distúrbio intestinal imune-mediado que é comum, afetando 0,5 a 1% da população em geral, mas é extremamente subdiagnosticada. Há agora testes sorológicos específicos e sensíveis disponíveis para ajudar no diagnóstico e que necessitam ser mais aplicados. O tratamento da DC é DIG permanente, o que resulta na remissão dos sintomas na maioria dos indivíduos. A apresentação clássica da diarréia e da malabsorção é menos comum, enquanto as apresentações atípicas e silenciosas estão aumentando. A maioria de indivíduos está sendo vista por clínicos gerais e por muitos especialistas e não estão sendo diagnosticados. Conseqüentemente, a maior consciência desta doença é imperativa. A instrução dos médicos, de nutricionistas é necessária.
11. Pontos Importantes Atuais
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• Para o diagnóstico de a DC devem estar presentes os dois seguintes critérios:
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o Alterações histopatológicas características na biópsia intestinal.
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o Melhora clínica em resposta à DIG.
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• Os testes sorológicos são utilizados para:
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o Confirmação da DC.
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o Triagem da DC:
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- Identificando os pacientes em quem a biópsia deve ser realizada.
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- Investigando pacientes com risco aumentado para DC.
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• A DIG deve ser seguida por toda vida e não deve conter trigo, centeio e cevada e aveia.
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• Os pacientes com DC têm risco aumentado de morte comparado com a população geral, se não estiverem em DIG. Entretanto, a dieta durante três a cinco anos normaliza a taxa de morte adicional.
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• Nos adultos o diagnóstico de DC demora geralmente 10 anos dos primeiros sintomas. Não somente os caucasianos são afetados. Os parentes de primeiro e de segundo graus têm risco aumentado para DC.
Recomendações atuais
Os médicos devem estar atentos para a DC e lembrar de, nos grupos de risco, pedir testes sorológicos.
Os endoscopistas devem estar atentos às alterações endoscópicas e colher 3 fragmentos de biópsia duodenal.
Os clínicos, endoscopistas e patologistas devem fazer correlações anátomo-clínicas para melhorar os diagnósticos de DC.
12. Páginas úteis na Internet
Associação dos celíacos do Brasil: www.acelbra.org.br
The Celiac Disease Foundation: http://www.celíaca.org
The Celiac Sprue Association: http://www.csacelíacas.org
The Celiac Disease and Gluten-free Diet Support Page: http://www.celíaca.com
The Gluten-Free Pantry: http://www.glutenfree.com
World Gastroenterology Association: http://www.omge.org
US NIH: Digestive Diseases: http://digestive.niddk.nih.gov/ddiseases/pubs/celíaca
The Gluten Intolerant Group: http://www.gluten.net
Celiac Helpline: http://www.celíaca.co.uk
The Wheat-Free Zone: http://www.nowheat.com/grfx/nowheat/index.htm
WGO-OMGE "Ask a Librarian" for Celiac Disease Research support: http://www.omge.org
ACS - UnB http://www.unb.br/acs/bcopauta/doencacelíacaa1.htm
Medicinal-Doença celíaca: http://www.medicinal.com.br/temas/temas.asp?tema=87
BVS - Ministério da Saúde: http://www.ministerio.saude.bvs.br/html/pt/dicas/83celíacaa.htm
Lei 10674-16/5/2003: http://www.soleis.adv.br/doencacelíacaa.htm
13. Algumas referências
Accomando S, Cataldo F. The global village of celiac disease. Dig Liver Dis. 2004, 36: 492-8.
Dube C, Rostom A, Sy R, Cranney A, Saloojee N, Garritty C, Sampson M, Zhang L, Yazdi F, Mamaladze V, Pan I, Macneil J, Mack D, Patel D, Moher D. The prevalence of celiac disease in average-risk and at-risk Western European populations: a systematic review. Gastroenterology. 2005, 128 (4 Suppl 1): S57-67.
Fasano A. Celiac disease: how to handle a clinical chameleon. N Engl J Med 2003;348:2568-70.
Ferraz JGP, Pereira Filho R, Sevá-Pereira A. Diarréia. In Castro L de P, Coelho LGV. Gastroenterologia. Rio de Janeiro, Editora Guanabara-Koogan, 2004. Cap. 9.
Gandolfi L, Pratesi R, Cordoba JC, Tauil PL, Gasparin M, Catassi C. Prevalência of celíaca disease among blood donors in Brazil. Am J Gastroenterol 2000;95:689-92.
Gudjonsdottir AH, Nilsson S, Ek, J, Kristiansson B, Ascher H. The risk of celiac disease in 107 families with at least two affected siblings. J Pediatr Gastroenterol Nutr. 2004; 38: 338-42.
Kotze LMS. Doença celíaca. In Castro LP, Coelho LGV (eds), Gastroenterologia. Medsi, Rio de Janeiro. 2004. cap. 64. p.1079-96.
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Oberhuber G, Grandisch G, Vogelsang H. The histopathology of coeliac disease: time for a standardized report scheme for pathologists. Eur J Gastroenterol Hepatol 1999; 11: 1185-1194.
Pietzak MM. Follow-up pf patients with celiac disease: Achieving compliance with treatment. Gastroenterology 2005, 128: S131-S141.
Rewers M. Epidemiology of celiac disease: what are the prevalence, incidence, and progression of celiac disease?. Gastroenterology. 2005; 128(4 Suppl 1): S47-51.
Rostom A, Dubé C, Cranney A, Saloojee N, Sy R et al. The diagnostic accuracy of serologic tests for celiac disease: a systematic review. Gastroenterology 2005, 128:S28-S46.
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